sexta-feira, dezembro 23, 2011

Ele existe?

o cenário: Sinal de trânsito
a cena: Época de Natal, o que não falta por aí é Papai Noel. Nos shoppings, eles começam a trabalhar cedo. Sempre cheirosos e (quase sempre) sorridentes, tiram milhões de fotos e avisam que, para ganhar o presente tão sonhado, é preciso ter bom comportamento. Uma vez, li no jornal que os velhinhos que conseguem esse emprego temporário ficam com a vista doendo de tanto flash disparado na cara. Mas outro dia encontrei um Papai Noel que não tem esse problema. Ele não fica cercado de crianças e muito menos de máquinas fotográficas. Ar condicionado, nem pensar. Nem roupa vermelha ele usa. Esse Papai Noel diferente fica em um sinal da W3 norte. Vestido com um pijama azul de bolinhas brancas e um guarda-chuva branco de bolinhas azuis, o velhinho de barba comprida e gorro – esse, sim, vermelho –, pede uma humilde contribuição aos carros que esperam o sinal abrir. Com um jeito estabanado, dançando fora do ritmo, o Papai Noel rouba a cena e desvia as moedas que iriam para aquelas crianças com caixinhas de Natal. Uma coisa meio fora do lugar, numa época em que tá todo mundo esperando receber – e não dar – alguma coisa do Papai Noel.
moral da história: A vida tá difícil até pro bom velhinho

quarta-feira, dezembro 14, 2011

Receituário

o cenário: Consultório médico
a cena: Coisa mais chata que tem é ir em uma consulta de emergência. Primeiro, porque, se é emergência, o caso não é tão simples. Segundo, porque a gente nem sempre conhece o médico que vai nos atender. Terceiro, porque nem sempre o médico é uma pessoa normal. Pois hoje tive que enfrentar um pronto-socorro. O atendimento até foi rápido e o caso, ainda bem, era simples. Tudo ia bem até o final da consulta. Enquanto o médico escrevia a receita, resolvi tirar uma dúvida. Fui imediatamente repreendida: “A senhora, por favor, espere eu terminar de escrever”. Ok, solicitação atendida. Fui embora com a receita em mãos, direto para a farmácia. Chegando lá, descubro que o médico se esqueceu de carimbar o papel. Sem carimbo, nada de remédio, informou a atendente. Liguei para o hospital e consegui localizar o doutor. Quando expliquei o caso para ele, mais um puxão de orelha: “Eu não falei para a senhora não falar comigo enquanto eu estava escrevendo?”...
moral da história: “Senhor, dai-me paciência, porque se me deres força, eu mato!”

quinta-feira, dezembro 08, 2011

Na avenida

o cenário: Avenida W3
a cena: Vira e mexe, ao escolher um caminho para ir da Asa Norte para a Asa Sul, eu me vejo pegando a W3. Com frequência, me arrependo no segundo sinal fechado consecutivo e fico me perguntando por que fiz essa opção. Outro dia, descobri o motivo. Eu adoro passar pela W3. Se eu não passasse por lá, não saberia que existe uma loja que vende só cabides e nem ficaria intrigada com a sobrevivência da loja de meias perdida na Asa Sul. Se os sinais não ficassem vermelhos, eu não olharia para os lados e não veria uma garagem lotada de coisas velhas, espremidas, quase escondendo o Fiat 147 caindo aos pedaços estacionado lá há, pelo menos, dez anos. Também não ficaria imaginando como são os hóspedes da Pousada Classe A e quem é que aguenta morar em cima do Bar do Amigão. Por mais abandonada que a W3 pareça, ela tem uma vida que a gente não vê. Da creche à faculdade, a velha avenida nos oferece lições ou, no mínimo, diversão.
moral da história: Às vezes, é preciso correr menos e contemplar mais.

sábado, dezembro 03, 2011

Fugindo da escola

o cenário: Debaixo do bloco

a cena: Meio-dia de uma quinta-feira, passo debaixo de um bloco e encontro uma turma enorme de alunos adolescentes. Todos uniformizados, falando alto. Uns fumando, outros com iPod na orelha. As garotas rindo. Por um momento, pensei: nada mudou. Ledo engano. Ao chegar perto daqueles meninos matando aula num dia abafado, identifiquei várias garrafas de cerveja no chão e na mão de alguns. Logo reconheci o rótulo. Todos bebiam Stella Artois, cerveja belga aparentemente inacessível ao bolso de estudantes. Pelo menos, na minha época, quando a galera do fundão matava aula no bar do Ceará, uma cerveja dessas seria muito luxo para uma manhã de quinta-feira. Na verdade, até a Skol era para poucos e, quando os meninos queriam algo mais potente e de baixo custo, optavam pela Pitu ou por um vinho Chapinha ou Sangue de Boi – que, para se tornar mais importante, ganhava pronúncia francesa. Claro que essa aventura trazia uma certa dor de cabeça, mas quem ligava para a ressaca quando ela vinha acompanhada de boas histórias para contar? A lembrança dos velhos tempos me fez pensar... Será que matar aula nos dias de hoje é tão divertido quanto era antes?

moral da história: Não se fazem gazeteiros como antigamente.

quarta-feira, novembro 23, 2011

Cuidado com eles

o cenário: Aconchego do meu lar

a cena: Eles estão se multiplicando. Eles estão ficando mais ousados. Eles não têm hora para atacar. Quando você menos espera, eis que, do outro lado da linha, aquela voz de timbre e sotaque inconfundíveis chama o seu nome. Antes, eles atacavam apenas no horário comercial. Agora a abordagem pode ser feita até depois do Jornal Nacional. Como um operador de telemarketing ousa me incomodar na hora da novela? Além do horário “estendido”, eles estão cada vez mais abusados. Outro dia, um deles me ofereceu a assinatura de uma revista. Educadamente – porque sou uma moça muito fina – recusei. Ele perguntou o motivo. Suspirei e, mesmo achando que a conversa já estava longa demais, expliquei que não gostava da publicação. “Ah, mas se a senhora não gosta, é porque não leu direito!”. Abusado, não? Só não mais abusado do que a moça que importunou minha médica num sábado, às oito da manhã. A doutora questionou o horário e disse que foi acordada pelo telefone. Do outro lado da linha, com uma voz indignada, a operadora de telemarketing respondeu: “Mas EU estou trabalhando!”. É, realmente, trabalhar aos sábados pela manhã e ainda ser odiada por 99% do seu público-alvo não deve ser fácil.

moral da história: Quando eles ganham confiança, ninguém segura.

sábado, novembro 12, 2011

A garota da foto

o cenário: Álbum do Facebook

a cena: O mundo virtual é engraçado. Assim como o mundo real, ele vive de moda – ou tendências, que é uma palavra mais em voga. A moda agora é o Facebook. Nos primórdios, foi o ICQ e seu “ô, ô”. Mais tarde, surgiu o Orkut, mas o hit do momento é o face. Pois foi no perfil do meu segundo pai que me deparei com o passado. Uma foto minha de 2005 me mostrou uma garota com o rosto descansado, a pele bonita, pintada de praia. Quase não reconheci. O sorriso ainda é o mesmo, mas o conjunto da obra... quanta diferença! O tempo passou e eu não tinha visto, até o face me mostrar. Eu sei que muita coisa boa aconteceu nos últimos seis anos. Sei também que hoje sou uma pessoa mais feliz, mais experiente e que, nesse tempo todo, aprendi uma porção de coisas e esqueci outras tantas. Sei que aparência não é tudo e que a gente precisa conviver com os sinais do tempo e tirar proveito deles. Tá bom, tá bom, sei de tudo isso. Mas que eu queria aquele rosto de volta, ah, isso eu queria...

moral da história: O tempo passa para todo mundo, até para você.

quinta-feira, novembro 10, 2011

Identidade secreta

o cenário: Retorno na via L2 Norte
a cena: Todos os dias, faço o mesmo retorno na Asa Norte. E todos os dias, faça chuva ou faça sol, passo por uma faixa anunciando o almoço barato do restaurante da esquina: “Self-service com churrasco, R$ 11,90 por pessoa, à vontade”. Com esse preço, o dono do restaurante que me perdoe, mas só consigo imaginar um frango mal passado e uma picanha bem dura. Agora dura mesmo é a vida dos dois infelizes que ficam segurando a faixa no gramado central da pista. Um de cada lado, às vezes em pé, às vezes sentados no chão, os dois garantem que a faixa será vista por todos os motoristas sem o risco de ser arrancada pela fiscalização. Para se proteger dos humores do tempo (e talvez do risco de serem reconhecidos), os dois usam casacos com capuz. Eu nunca tinha visto o rosto desses pobres trabalhadores, até que o mormaço de meio-dia fez com que a pessoa do lado direito revelasse sua identidade. Enquanto eu esperava o sinal abrir, pude observar a menina com pouco mais de 18 anos, cara de criança, maquiagem carregada. Os olhos bem marcados e o cabelo preso com vários elásticos eram acompanhados de uma cara de poucos amigos. Roupa preta, pulseiras prateadas e tatuagem. No dorso da mão, a menina com cara de criança e emprego desumano trazia um desenho enorme de uma folha de maconha. Corajosa, pensei. E inconsequente. No dia seguinte, procurei pela moça da apologia escancarada, mas só encontrei um vulto encapuzado. Chegando mais perto, pude ver que o corpo era de um homem. Do outro lado da faixa, identifiquei uma mulher mais velha. Por onde andaria aquela garota? Será que foi demitida por ter exposto sua ‘figura’ em serviço? Será que estava gastando seu mísero cachê no self-service com churrasco? Será que estava de folga? Meu palpite é que a menina tatuada se cansou de respirar fumaça de carro e resolveu buscar outros ares (e fumaças) pra fazer a cabeça. Fez bem. Ela não tinha nada a ver com aquela faixa.
moral da história: Nem sempre a gente não pode mostrar tudo o que a gente é.